sábado, 31 de dezembro de 2011

Morre aos 41 anos Daniel Piza

4 dias antes de seu adeus!

Lágrimas


O final de ano veio marcado por mortes de pessoas marcantes. O ator Sérgio Britto, remanescente dos tempos em que o teatro brasileiro ditava rumos culturais como jamais depois; o carnavalesco Joãosinho Trinta, de uma ousadia que deveria ser o padrão da festa, mas quase sempre foi a exceção; a cantora cabo-verdiana Cesaria Évora, inesquecível com sua voz docemente triste e seus dançantes pés descalços. E o polemista inglês Christopher Hitchens, infelizmente lembrado mais por sua confusa adesão ao neoconservadorismo de Bush II do que por sua corajosa crítica cultural na velha e boa linhagem libertária, ou dissidente, dos britânicos; como já notei, ele caiu em óbvia contradição com seu ataque às religiões, se bem que nestes também foi confuso, como ao desprezar a cultura visual do cristianismo (que legou, entre outras conquistas, o Renascimento).

Por Daniel Piza.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Receita de ano novo


Carlos Drummond de Andrade
Para você ganhar
belíssimo Ano Novo cor do arco-íris,
ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação
com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior) novo,
espontâneo,
que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come,
se passeia,
se ama,
se compreende,
se trabalha,
você não precisa beber champanha
ou qualquer outra birita,
não precisa expedir
nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade,
recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro,
tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você
que o Ano Novo cochila
e espera desde sempre.

Carlos Drummond de andrade.

Me encanta a sutileza, a lucidez, a clareza de suas palavras.


Obsessão


Charles Baudelaire
Obsessão
Os bosques para mim são como catedrais,
Com orgãos a ulular, incutindo pavor...
E os nossos corações, - jazidas sepulcrais,
De profundis também soluçam, n'um clamor.

Odeio do oceano as iras e os tumultos,
Que retratam minh'alma! O riso singular
E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso semelhante ao do soturno mar.
Ai! como eu te amaria, ó Noite, caso tu
Pudesses alijar a luz que te constéia,
Porque eu procuro o Nada, o Tenebroso, o Nu!

Que a própria escuridão é tambem uma téia,
Onde vejo fulgir, na luz dos meus olhares.
Os entes que perdi, - espectros familiares!





Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Mário Quintana

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Respeito

Respeito... quando o amor gripar, dale respeito.
Quando o amor ter cãimbras, alongue por respeito.
Quando o amor cansar, fortaleça o respeito.
Quando o amor mentir, o respeito é a verdade.
Quando o amor sangrar, use a gaze do respeito.
Quando o amor dormir, desperte o respeito.
Quando o amor se for, chame o respeito.
Quando o amor se perder, procure o respeito.
Quando o amor odiar, ame o respeito.
Quando o amor morrer, viva o respeito.
Quando o amor acabar, RESPEITE.
Por João Neto.

Mulher

De lá pra cá contrariando o destino,
é o mais perto de Deus que o homen pode chegar,
se ao seu lado ficar.
Sexto sentido confunde o machismo,
em seu seio a vida suga sentido,
sempre além...
tudo em si sobra naquilo que o homen não tem.

Vocação

A vocação como cruz ou como fardo,
como destino ou como missão,
seja como for será sempre o papel do paradoxo,
sempre em evidência ao mesmo tempo em último,
querido mas incompreendido,
ora amado ora esquecido,
às vezes o tamanho da vocação diz o tamanho da solidão.
Por João Neto.

sábado, 10 de dezembro de 2011

ÓH Brasil!

Tão cedo e tão triste em ver,
essa imagem despenteada,
essa musa despedaçada,
vestida de trapos e farrapos,
anemias e barracos,
correndo pelas ruas descalço,
o olhar da fome que não consome,
da longa noite que logo virá,
não conta mais como canta o sabiá,
secou e embruteceu,
arrefeceu e emudeceu,
comiseração é o pensamento,
pavor é o sentimento.

Numa nação ainda triste.
Órfãos cristãos sem médico e sem cura, buscando vida, buscando amor e mais intensidade no olhar frígido sem cor sem brilho sem razão, esbarrando em questões que se multiplicam sem soluções adequadas, as vezes uma lágrima de incompreensão ou melhor incompreensões e muitas lágrimas se amontoando à fé e á falta dela, que é o tema recorrente permanente sumariamente perene que não se abstém jamais de suas diversas vantagens, vantagens de liberdade, de alegria e de entender o desconexo em si mesmo, de se ver profano de se ver organicamente tosco, vadio, cru, navalha que corta o próprio rumo, sujeira limpa, camuflagem que se arrasta a beira do precipício dessolador onde toda máscara de cera derrete e é mostrado friamente a cara deslacrada do imposto santo que aqui se degenera.
Por João Neto

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Um covarde a menos


Estou em 2010 lendo Ilusões perdidas de Honoré de Balzac, livro que fala sobre a vida de um escritor provinciano ( Lucien seu nome), que tenta se tornar um grande escritor na portentosa e intelectualmente rica Paris.

Ao caminho do emprego, ouço no celular o programa reflexões com o pastor Ricardo Gondim, arguto expositor das linhas sagradas, quase irretocáveis, quase.

Pois bem, Ricardo discorria sobre o trágico episódio em que o rei Davi engravida Berseba e assassina cruelmente o seu marido.

No decorrer de sua explanação meu admirável amigo, ao meu ver, cometeu um pequeno deslize, ele atribui o fato da morte de seu filho devido o pecado da mulher, e não à Davi, e em seguida o nascimento de uma outra criança, justamente por misericórdia à Davi.

Acredito que a morte dessa criança fora um julgamento pré-estabelecido por Deus condenando toda a atitude criminosa e safada criada pelo rei.

Como de Deus emana compaixão, toda ela foi dirigida à Berseba, que novamente deu à luz, e esse menino seria Salomão o próximo sucessor ao trono. Por isso Jesus me perturba, nele reside toda a subversão, toda quebra de paradigmas, todo o desmantelamento de preceitos rigorosamente defendido como verdade última.

Ele subverte até o velho testamento onde o machismo impera, o sexismo reina, a intolerância governa.

E a partir desses fatores tudo o que foi redigido o fora justamente para manter viva a história de um povo e estabelecer sua nação e religião, mas ocultaram os detalhes, que não são detalhes, para eles foram detalhes, para nós é a micro história dos sub julgados pela mente de escribas e sacerdotes que imaginam serem superiores e acreditam estarem acima do povo invisível.

Berseba não foi invisível, ou ainda, não menos visível que um grande e louvado Rei de Israel. Jesus não foi nada, nem Rei, nem sacerdote, nem escriba, nem fariseu, não foi procônsul, não dominou, não guerreou, não extorquiu, não enriqueceu, nada disso, apenas andou e andando amou.

Nele todas as histórias, macro ou micro são importantes, todas as pessoas são percebidas por ele, ou seja, não há diferença entre homem e mulher, Rei e servo, sua larga e sábia com paixão não admite títulos ou méritos por feitos.

Viva o transgressor Jesus, que não come do prato da covardia do homem, apesar de ser um de nós.

Por João Neto

O verdadeiro Deus


Uma noção de Deus falsa e ilusória...o vê como aquele que me dirige sua graça quando sou bom, mas me pune de modo implacável quando sou mal. Essa é uma noção tipicamente patriarcal de Deus.

Ele é o Deus de Noé, que vê pessoas mergulhadas no pecado, se arrepende de tê-las criado e resolve destruí-las. Ele é o Deus do deserto, que envia serpentes para picar seu povo porque murmurou contra ele.

É o Deus de Davi, que praticamente dizima um povo porque seu rei, talvez motivado pelo orgulho, insiste em fazer um censo de seu império. Ele é o Deus que extrai até a última gota de sangue de seu filho de modo que sua justa ira, atiçada pelo pecado, possa ser aplacada.

Esse Deus, cujos humores se alternam entre graça e ira ardente, ainda familiar demais entre muitos cristãos, é uma caricatura do verdadeiro Deus.

Essa Deus não existe. Não é o Deus que Jesus nos revela. Nem o Deus que Jesus chamou de “Aba”.

Por William Shannon.

A doutrina erudita


Nós, matreiros e ladinos, agimos como se não entendêssemos o Novo Testamento porque compreendemos muito bem como deveríamos mudar de maneira drástica nosso jeito de viver. É por isso que inventamos a “educação religiosa” e a “doutrina cristã”.

Precisamos de mais uma concordância, outro dicionário, mais alguns comentários, três outras traduções, pois tudo é muito difícil de entender.

Sim, é claro, amado Deus, todos nós, capitalistas, oficiais, ministros, proprietários de casa, mendigos, a sociedade inteira, estaríamos perdidos se não fosse a “doutrina cristã”!

Novamente sarcástico, por Sören Kierkegaard.