sexta-feira, 12 de junho de 2009

Resignação visceral.


O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo quase gigante e sinuoso,aparenta a translação de membros desarticulados.Agrava-o a postura normalmente abatida,num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente.A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra;a cavalo,se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido,cai logo sobre um dos estribos,descansando sobre a espenda da sela...
É um homem permanentemente fatigado.Reflete a preguiça invencível,a atonia muscular perene,em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito,no andar desaprumado,na cadência langorosa das modinhas,na tendência constante à imobilidade e à inquietude.Entretanto, toda essa aparência de cansaço iludi.Nada é mais surpreendedor do que vê-lo desaparecer de improviso.Naquela organização combalida operam-se,em segundos,transmutações completas...o homem transfigura-se.empertiga-se,estadeando novos relevos,novas linhas na estatura e no gesto e a cabeça firma-se-lhe, alta,sobre os ombros possantes,aclarada pelo olhar desassombrado e forte,e corrigem-se-lhe,prestes,numa descarga nervosa e instantânea,todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos,e da figura vulgar do tabaréu canhestro,reponta,inesperadamente,o aspecto dominador de um titã acobreado e potente,num desdobramento de força e agilidade extraordinária.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Se eu fosse um padre.

Mário QuintanaSe eu fosse um padre,
eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!
( Mário quintana )

Perguntaram ao Dalai Lama:
- O que lhe surpreende na Humanidade?
- Os homens... Porque perdem a saúde para juntar dinheiro; depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente, nem o futuro.
E vivem como se nunca fossem morrer...
...E morrem como se nunca tivessem vivido.

Biografia de Dalai Lama aqui.

13/04/09

LÁ VEM A FALSIDADE...


- Tais Luso de Carvalho

Dias atrás, fui ao shopping comprar um cordão de ouro para sustentar uma medalhinha. Fui de jeans, camiseta branca, uma rasteirinha (sandália baixa) e um bolsão. Tudo básico. Não tinha o porquê ir de salto alto e produzida às 3 horas da tarde. Entrei numa joalheria, de nome, de grife. Quando saí é que vi o 'nome'.

Senti como se tivesse entrado numa casa de deficientes visuais: ninguém me enxergou. Depois de algum tempo veio a vendedora: ‘e pra ti, querida?’ Ah, meu Deus... se há algo que me tira dos trilhos é o tal do ‘querida’: aquele abominável ‘querida’ pra achincalhar. Coisa de vendedora (com todo o respeito).

Há alguns anos usava-se o ‘filhinha’: e pra ti, filhinha? Meu humor mudava na hora! Lembro que minha filha - ainda pequena - começava a me cutucar para eu dar uma 'maneirada', ser mais educadinha; era pior: eu enfatizava mais o deboche da vendedora.

Bem, mas voltando ao shopping...

Pedi alguns cordões de ouro para ver. A ‘sirigaita’ foi se arrastando... totalmente vazia de vontade em mostrar os tais cordões. Mostrava olhando para a colega... Vi, remexi, baguncei o mostruário e agradeci. Saí roxa, meio nauseada.

Então fiquei pensando nas pessoas humildes que entram num banco para abrir conta e são vistas com desconfiança; pensei nas pessoas que vão atrás de atendimento médico do SUS; pensei nas pessoas que querem abrir crédito numa loja e esperam, meio que constrangidas, pela aprovação de seu nome. Pensei em muitas coisas... Inclusive nas quem têm dinheiro e não esperam por nada. São agraciadas com cafezinho.

E vejo, então, que esta hipocrisia é uma imposição de uma sociedade que diz: tenha uma aparência de pessoa chique, bem apessoada, de bom berço para ser bem atendida. Simule, seja artista, minta. Assim estará garantido um bom atendimento. Então tá.

Pois bem, amigos, a melhor filosofia para ir às compras é lançar mão do melhor coadjuvante: a roupa e a empáfia! Mesmo que você tenha tudo de bom e for uma pessoa agradavelmente simples, sem frescuras - o que é elogiável -, nestas santas horas não funciona, é preciso representar: é preciso estampar (na testa) que você tem esta porcaria de dinheiro para comprar o que procura; é preciso mostrar para o seu médico que você tem dinheiro para bancar uma cirurgia ou um tratamento caro; é preciso mostrar para o gerente do banco que você vai ser bom investidor; é preciso mostrar que você tem! Mesmo que não tenha. O tratamento que dispensarão a você será coisa pra cachorro grande. É assim que funcionam as coisas neste terceiro mundo dos confins. Infelizmente.

Nos países de primeiro mundo não sei como funciona; mas não deve ser muito diferente: a matéria-prima é a mesma...
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segunda-feira, 1 de junho de 2009

Um enconto ideal.


O lugar não era nenhum clube mas tinha na placa Club House, rua Oratório, Santo André.À minha esquerda o Leandro, à minha direita o Ticão (Anderson), poucos sabiam seu nome, se soubessem diriam:"É um apelido",era um rapaz com uma profunda cicatriz familiar, vivia com seus tios, seus pais já haviam falecido, era falador, gesticulador, não tinha emprego, profissão, sonho ou ideal, usava sempre o mesmo boné, não sei se o lavava, existia apenas uma pessoa que dava atenção aos seus devaneios conceituais, que vinham de uma experiência adquirida pela intensa convivência nas ruas,eu,tinha uma dificuldade aguda de ouvir conselhos,seu maior medo era ser contrariado,sempre se constrangia com críticas pessoais quando essas atingiam o seu estilo parasita de ser.

Já o Leandro era meigo,contextualizado,alegre,humorado, carente,contente,generoso,gastava seu dinheiro sem afetação,sempre em prontidão à emprestar,tinha uma disposição densa quando o assunto era amizade.

No meio dos dois a Vera,também perdera seu pai e vivia com sua mãe Sônia,uma mulher amarga que deixara muitos traços em sua filha, uma menina simpática,tinha um sorriso lindo,sempre quando sorria notava-se duas covinhas em suas bochechas rosadas,que segundo minha mãe eram os buraquinhos da beleza,uma beleza que me encantava em suas tranças e em seus traços,um comportamento que andava na contra mão da futilidade,não havia semelhança com as outras e nunca era vista em grupos,posicionava-se com uma atitude sóbria de não ser nenhuma "Maria vai com as outras" ou gasolina.

Naquela noite seus olhos vagueavam ora no Leandro ora no Anderson,nunca paravam nos meus,era como um sinal,palavras ditas sem pronúncias,como se estivesse berrando "estou brava mais te quero", entendi perfeitamente,isso causou um tremor na barriga, meu coração pulsava mais rápido,me sentia feliz pois aquela menina de postura forte,de postura pessoal marcante,dissimulava querendo atingir a mim e sobretudo usava minha camiseta branca que cobriam os joelhos,quase que uma freira grafiteira,linda.

Nunca dera um indício tão evidente como esse ,minha auto-estima frígida degelava sob o calor daquela noite,as batidas eram comum aos ouvidos,as luzes as pessoas,as roupas,a hora,mas o momento não ,desgarrou-se da história,pois descendo a rua Oratório,ela punha seu braços entrelaçados aos meus como noivos em marcha nupcial,senti pela primeira vez sua pele, seu cheiro, sua juventude cheia de energia,seu corpo junto ao meu,sua voz,sua personalidade mais amplamente absorvida pela minha admiração.Em momentos como esse, jovens quiméricos tornam-se céticos por vislumbrar deslumbrado expectativas tão viscerais,sendo realizadas em situação tão impensadas,não acreditei.

Na estação de trem, em Santo André,foi um desses momentos que emprestam razão aos romances,as novelas,aos filmes,ela encostada em uma coluna,eu com as mãos em sua cintura,seus olhos brilhantes,alegres,me atraíam ao passo que seus lábios me traíam,fugiam dos meus,uma brincadeira de gato a caça da gata,aumentava os desejos e a adrenalina do momento,rostos ruborizados,o sangue circulava quente,no momento que nossos lábios se tocaram,houve um não selinho,mas um selo de significação e afeição permanente que perdura por dez anos,tanto naquele instante da história, como nessa fatia de tempo, o hoje, a menina não só cresceu mas se idealizou como esposa e mulher e por significar o que significa essa mulher ao narrador, imortalizo aqui seu encontro ideal.

João Neto Felix