quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Somos todos seres desejantes


Somos todos seres desejantes, Talvez o desejo seja a nossa experiência mais imediata e, ao mesmo tempo, mais profunda. Coisa que já Aristóteles vira e que Freud colocou como eixo fundamental para entender o motor humano.

A nossa estrutura de base é o desejo. E faz parte da dinâmica do desejo não ter limites. Não desejamos só isso e aquilo. Desejamos tudo. Não queremos só viver muito, queremos viver sempre. Desejamos a imortalidade. E nos frustramos, porque o princípio da realidade nos mostra que somos mortais. Vamos morrendo devagarzinho , em prestação, cada dia, até acabarmos de morrer. Mas o nosso desejo é sempre virgem, sempre quer viver mais, quer prolongar o tempo, quer transcender a morte. A grande chave da pseudo-transcendência é manipular nossa estrutura de desejo, é canalizar toda nossa potencialidade de desejo para uma coisa limitada e identificar essa coisa com o totalidade da realidade. É então que nos frustramos, porque o desejo quer o todo e só alcançamos a parte.

A propaganda do cigarro Marlboro é como um sacramento da igreja Católica que age ex opere operato – age por si mesmo, automaticamente. Quem fuma Marlboro, nos prega o marketing, tem as mulheres mais esplêndidas, dirige uma Ferrari luzidia, desfila por paisagens soberbas. Basta fumar Marlboro para ter essas experiências, assim como as paisagens belíssimas, existem só no imaginário. Não produzem nada, fornecem apenas uma ilusão e manipulam nossos sentimentos. Mas o grave é isso, que permitem a ilusão da realização do desejo infinito identificado com um objeto finito. Devemos passar por todos esses objetos, dizendo fundamentalmente: “ O obscuro objeto do desejo humano não é este ou aquele ser, esta ou aquela realidade. Não é um automóvel, não é uma mulher esplêndida, não é escrever um livro, não é fazer teatro, não é ser isso ou aquilo. É mergulhar no ser, captar a nossa sintonia com a totalidade, é sentir que somos chamados ao ser pleno, e não ao pedaço do ser.”

Vivemos no finito. Tudo o que tocamos é limitado. Mas o desejo é infinito, é ilimitado. Então, para sermos fiéis aos apelos de nossa interioridade, é preciso manter essa abertura infinita. Quando confundimos essa realidade parcial com a totalidade da realidade, vem a ilusão do fetiche, a ilusão do endeusamento, da idolatria, dos falsos deuses.

Leonardo Boff ( Tempo de transcendência )

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